Liberalismo e Dissidência: Espaços de Autonomia e Autarquia

Carlos Alberto Sanches
3 min readFeb 17, 2021

Lembro que um professor, malvisto entre os comunistas da turma, certa vez os provocou dizendo: “Só num país liberal você pode criticar o liberalismo. Experimente criticar o comunismo em um país comunista.” Este raciocínio, que na época achei tão tolo, contém uma verdade. De fato, é mais fácil ser dissidente em um país liberal do que sê-lo em um país comunista. Schmitt não teria sido possível em um país comunista; Evola não teria sido possível em um país comunista; Heidegger não teria sido possível em um país comunista…

Dias atrás, falei de passagem sobre as vantagens de se viver nas circunstâncias de um liberalismo extremo como o dos EUA. Estas vantagens podem ser aproveitadas inclusive para um movimento revolucionário. A luta dos povos por autonomia é menos difícil de ser travada dentro do espaço de atuação proporcionado pelas liberdades garantidas pelo liberalismo americano do que debaixo de um estado totalitário sufocante. Não vou repetir o lance das armas como exemplo. No Texas, os separatistas chegaram a criar sua própria moeda, e o poder federal não pôde fazer nada. Experimente criar sua própria moeda em um país comunista. Os movimentos dissidentes que lutam pelas identidades regionais que temos no Brasil precisam disto, mais do que propaganda, ou paralelo à propaganda: abrir seu próprio espaço de ação; fazer circular neste espaço sua própria “moeda” (para falar figurativamente). Não há que cantar loas aos totalitarismos quaisquer, nem aos Estados quaisquer. O Estado moderno é um “monstro que mente”, como dizia Nietzsche; é mentiroso, falso, usurpador, ladrão. O imposto dele é roubo, sim. Um Estado tradicional, autêntico, orgânico, é quase a cristalização da presença de uma elite espiritual-militar, presença em si mesma estruturante; são os “indivíduos”, integrantes deste Círculo dos Homens, que criam este Estado, não “o povo”, sem-rosto, nem um fantoche que lhe empreste seu rosto. Estes homens devem surgir, e poderiam utilizar destas liberdades liberais para abrir o espaço necessário para tal. Isto é subverter a subversão. O dissidente sente esta verdade por intuição quando se encanta pelo cenário pós-apocalíptico que vê nos cinemas (como o de Mad Max), em que, terra arrasada, abre-se um novo jogo, livre, sem leis, de onde pode brotar o novo, uma nova Lei. Civilizações surgem da ação desses “bandos”, cuja organização vai hipertrofiando, expandindo-se, integrando, até atingir a forma do Estado.

Todo estado de coisas carrega o germe de sua auto-destruição. No liberalismo há espaço para o florescimento (ao menos parcial) desta semente venenosa. A história, nele, ao menos ainda está em jogo, enquanto em um totalitarismo moderno ela é engessada, paralisada pelo jugo do projeto vencedor.

Evola notava que o primeiro liberalismo surgiu de uma elite aristocrática que queria se livrar do sufocamento de um poder régio (considerado inautêntico), e só com o passar do tempo veio a ser este espectro subversivo e destrutivo. Também ele notou que este liberalismo tende a se converter em um totalitarismo (o que está ocorrendo de fato). Mas a resistência a este totalitarismo liberal está mais avançada justamente nos bolsões do próprio liberalismo.

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Carlos Alberto Sanches

Sociólogo, Escritor, Videomaker; Pesquisador em Antropologia, Metafísica Tradicional e Tradição Perene