O DIREITO INALIENÁVEL DE DEFENDER ESTÁTUAS — Resposta a Vladimir Safatle e a quem lhe seja afim

Carlos Alberto Sanches
4 min readJul 28, 2021

Vladimir Safatle publicou um texto intitulado “O direito inalienável de derrubar estátuas”. Já no primeiro parágrafo, deparo-me com espasmos sofismáticos do tipo: “O passado é o que faz CEOs falarem, em 2021, como senhores de escravos do século XIX, que faz transgêneros atualmente em luta falarem como pessoas escravizadas em luta séculos passados.” Depois de tantos anos sem bater os olhos em um texto de Safatle, hoje o colunista se me parece ainda mais delirante. Minha sobriedade ou sua loucura: uma das duas o tempo fez aumentar.

“Um bandeirante é, acima de tudo, um predador” — escreve o colunista. Não são predadores os indígenas que preavam-se entre si, exterminavam-se entre si, devoravam-se entre si — e aos outros que tivessem o azar de lhes cruzar o caminho. “Voltando da guerra, trouxeram prisioneiros. Levaram-nos para sua cabana: mas a muitos feridos desembarcaram e os mataram logo, cortaram-nos em pedaços e assaram a carne (…) Um era português (…). O outro chamava-se Hyeronimus; este foi assado de noite.” É o que se lê de uma testemunha ocular do século XVI. Não, “predadores” são os bandeirantes, e apenas eles.

Chega a ser engraçado ler um colunista versado em francês e educado na moral da moderna civilização europeia — pois a moral dos oprimidos é invenção europeia moderna, nenhuma moral de nenhum povo fora a dos ocidentais modernos foi tão copiosamente chorosa e ressentida (que o digam os altivos africanos, bravos guerreiros derramadores de sangue africado e exímios caçadores de africanos) -, enfim, chega a ser engraçado que um colunista aponte o dedo acusando em boa língua da metrópole a um homem como Borba Gato, que falava a língua dos índios — e vivia na língua dos índios -, e vivia de costas para a Europa, rindo-se da autoridade lisbonense. Que mau defensor o futuro daria aos indígenas…

Mais engraçado é ler em um outro jornal que as homenagens aos bandeirantes começaram por interesses políticos (sempre este reducionismo barato) no século passado. Isto em um país cujas cidades de trezentos anos ou mais carregam já desde a fundação o nome de um bandeirante ou de um topônimo dado por um bandeirante — aliás, na língua bandeirante, que não era a portuguesa (é bom avisar aos faltos de estudos), mas a Língua Geral Paulista, que mais se parecia com o tupi.

A fórmula de pensamento de Safatle e de todas as tribos, ou melhor, das “hordas” que se lhe assemelham em espírito, é a seguinte: “Tudo merece perecer, pois tudo é histórico”. Mas não é “histórica” sua própria moral. Esta não. Não é “histórica” a mania revolucionária; não é “histórica” a mania de narrar a história a contrapelo; não é “histórica” a historiografia ressentida; não é “histórica” essa pretensão dos diabos de se acharem porta-vozes de homens mortos há cinco, quatro, três séculos e que, ironicamente, se reconheceriam mais na bruteza do “opressor” do que na histeria e pusilanimidade de seus auto-proclamados “representantes” do futuro.

Aos adeptos de tal pensamento, que “historiciza” tudo, caberia perguntar: por que não historicizam a própria consciência? Afinal, tal pergunta já lhes foi feita há mais de um século. Nietzsche, por exemplo, a lançou, e não apenas aos de seu tempo — pois o filósofo póstumo também pergunta aos do futuro. A consciência desses “homens históricos” não desce tão profundamente à questão da história de suas próprias convicções. Ora, se tudo deve perecer, seu próprio modo de pensar, ou seja, o arcabouço teórico dos eternos ressentidos, também deve perecer. Ou seu filosofar tão orgulhosamente “audaz” só vai até onde convém? O Igualitarismo, o Progresso, o Humanismo, por exemplo: isto tudo é como se não tivesse história; como se fossem caídos do céu — e aceitos inquestionavelmente -, tal com as ideologias afins e que se proliferam e que ninguém aparece para “historicizar”. Não são filósofos, são filosofeiros. Demagogos. Sofistas.

Há ídolos “invisíveis” (às vezes não tão invisíveis assim) governando o rebanho moderno e seus rebentos pós-modernos, e são erguidos a bem mais elevada altura que os monumentos aos bandeirantes. Contra estes ídolos é que se deve desferir o martelo dos verdadeiramente críticos, dos verdadeiros pensadores do presente que reconhecem o passado, e que vivem em paz não apenas com este, mas com a Eternidade. Não, pretensiosos porta-vozes dos oprimidos de toda a história da humanidade. Não é o passado que deve explicações a vocês: vocês é que devem explicações ao passado. Vocês são a exceção sobre a terra. “Todos o tempos e todos os povos olham revoltadamente através dos vossos véus”.

Aos que desejam defender a memória bandeirante, aconselho apenas a não fazê-lo pela via da moral dos ressentidos; que não entrem no jogo cujas regras foram estabelecidas pelos iconoclastas progressistas. Não! — Não há que pedir desculpas. Não há nada do que se envergonhar. Diante das leis divinas que reinam imutáveis acima da moral flutuante dos homens, não há crime em — sendo índio, preto ou europeu, ou tudo ao mesmo tempo — ser um predador.

Aos interessados em conhecer sobre nossa proposta de empreender uma arqueologia do espírito bandeirante ou do gênio paulista das origens, recomendo o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=rKIaZJ886ec

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Carlos Alberto Sanches

Sociólogo, Escritor, Videomaker; Pesquisador em Antropologia, Metafísica Tradicional e Tradição Perene